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Serra da Capivara – Piauí

Doutora, 2L de água/dia! A Senhora bebe ou toma banho?!

E foi assim que começou minha saga pela Serra da Capivara, que fica em São Raimundo Nonato, PI.

A Começar pela dificuldade de chegar nesse paraíso Arqueológico, eu optei por ir de carro desde Brasília, algo em torno de 1400km. Carro 4×4 revisado, malas prontas “Rumbora”!

 

hora do tchau do Pi

 

No caminho a mudança de vegetação já salta aos olhos, a Caatinga, tem algo de hostil e ameaçador, mas quando você começa a entrar na viagem, ela se torna bem amigável. Lições de vida são ensinadas, respeite a caatinga e ela vai te respeitar também. E ao entrar na região da Serra, você é saudado com uma visão formidável e deslumbrante, e com o brilho vermelho intenso da Serra Vermelha com o sol adormecendo sobre ela… aqueles 1 dia e meio de viagem, valeram a pena.

 

serra vermelha

 

Chegamos, nos instalamos na casa de uma boa amiga, confortável, ar condicionado para todos os cômodos, afinal, enfrentar o calor do Piauí, mesmo no inverno, não é para qualquer um. Eis que me deparo com o verdadeiro clima do sertão. Ligo pra pedir 2 garrafões de água, e o rapaz teima em acreditar: “Que isso Dotora! Vocês são 4 pessoas e vão ficar 1 semana? 1 garrafão dá e sobra!” Pedi os 2 e ele trouxe um tanto contrariado, afinal, ali, ninguém bebe tanta água. Só para constar, no terceiro dia eu já estava virando o segundo garrafão…

Saímos para curtir o restinho de tarde, e ir ao ponto turístico e famoso Boqueirão da Serra Furada.  Formidável saber que o “furo” na pedra foi feito por agentes do intemperismo (chuva, vento…) e de quebra, fomos ao Sítio Arqueológico que se ilumina à noite para que você possa entrar no mundo pré-histórico, afinal, os Homo Sapiens, que habitaram e desenharam esse local, o fazia à luz da fogueira. E eu que achava que iria encontrar um tanto de desenhos, digamos infantis, me deparo com a nossa história, a evolução, a cultura. Tudo aquilo que trouxemos de carga genética, de sobrevivência, de família, estava ali desenhado com um requinte, inimaginável para 50 ou 100 mil anos atrás…


pedrafurada

 

O segundo dia na Serra já me começou a mostrar que para estar aqui, em São Raimundo Nonato, muito mais do que saúde física, você precisa de saúde mental!

Acordei as 5:50hs para correr um pouco. O Sol por lá, já nasce muito quente, e um solo que possui apenas 70cm para chegar na rocha, faz a terra ferver! As 7:30hs estava sentada no meio fio, apreciando os 27 graus de temperatura, bebendo água e conversando com umas pessoas, confesso, nunca vi um povo tão feliz mesmo com tantas adversidades, e as histórias…que histórias! Todos têm um pouco para contar sobre o Parque.

Hoje, para descansar da longa viagem, e tentar acomodar com o clima, vamos para a FUMDHAM, onde está o famoso Museu do Homem Americano, e a casa de Dra. Niède Guidon.

 

Dra. Niede Guidon

Dra. Niède Guidon e a autora

 

O museu é fantástico, com partes interativas, peça de escavação datadas de 9 mil anos, preparado para todo público, inclusive com acessibilidade para cadeirantes, assim como todo parque. Verdadeiramente, uns dos Parques com maior e melhor estrutura turística que já conheci.

O acesso aos laboratórios também possível, e de quebra você ainda ganha uma verdadeira aula com um Paleontólogo Italiano.

Estando tão perto, por que não tentar um encontro com a Dra. Niède Guidon?! Solicitamos e fomos atendidas. Já na entrada do jardim você encontra uma placa mostrando como a vida é por aqui: “Lasciate ogni speranza voi che entrate” – “Abandone todas as esperanças vós que entrais aqui”. Uma senhora de força sem igual, um mundo de sabedoria e conhecimento, e a oportunidade de ter um pouco desse conhecimento, na sala da casa dela, meus caros, é para poucos.

Território conhecido, preparemos para o dia de amanhã.


igrejasraimundo

Igreja em São Raimundo 

No primeiro dia de Parque, começamos a saga para encontrar um guia/condutor (o acesso ao parque é apenas assim), são poucos, e não queríamos passeios meramente turísticos, queríamos aventura, algo que nos tirasse o ar, que fizesse o coração acelerar, sabe?! Conseguimos, lá estava o Edivan, rapaz novo, de rosto maltratado pela seca, mas conhecedor do parque e cheio de energia para nos levar nos lugares mais desafiadores.

Iniciamos o passeio pela Serra Branca, ainda pouco explorada pelos turistas, mas com sítios espetaculares. São todos muitos próximos, acesso fácil, paramos quase sempre em frente à entrada dos sítios.


mirante serra branca
 Mirante da Serra Branca

 

Cada parte do Parque tem sua história e sua forma de pintura, as da Serra Branca são caracterizados por desenhos vazados, preenchidos por formas geométricas. Graças ao guia e a Dani, amiga arqueóloga que ficou nesses sítios por 2 semanas, as explicações se tornaram de fácil compreensão. Depois de caminhar algumas horas, por sítios e mais sítios, e uma secura infindável, encontramos uma “fonte” de Paleoágua.

fonte paleoágua

Exatamente isso, horas de caminhada sem uma gotinha sequer, apenas a água que levamos nas mochilas. Pergunta: como os animais dali sobrevivem? Apesar dos caldeirões para reservar a água de chuva, num lugar onde a seca varia de 2 a 5 anos, a situação é bem complicada. Voltemos a Paleoágua, é uma água pré-histórica, muita gente olharia torto para aquela água, mas depois de horas sem humidade minha amiga, bebi o quanto fui capaz, afinal, a Dra. Niède Guidon, pesquisadora que criou o parque, bebe dela, e vive com um vigor sem igual, quem sabe é a fonte da juventude?!

Continuamos seguindo até o mirante da Serra Branca, parte bem alta, por cima da Serra. Paisagem sem igual, daquelas que o vento te sacode e apesar do sol forte, a vontade é ficar. E subindo com apoio de pedras, cordas, escadas naturais, tudo para encontrar grandes sítios, grandes histórias, e os melhores clicks para fotos.


luz bpf-2

 

O dia vai encerrando, corremos para o Baixadão das Andorinhas, local que ao chegar você logo avista uma placa dizendo: faça silêncio e fique abaixado. Chegamos, encontramos um bom lugar no chão para deitar e esperar o espetáculo. As Andorinhas, aos montes se agrupam e fazem um vou rasante por cima da sua cabeça, descendo pelo baixadão para o descanso dos justos. A sensação do vento pelos cabelos, o barulho delas naquele pôr-do-sol é indescritível.

Hora de voltar pra cidade, almoçar, ou jantar como queira, na Orla de São Raimundo, sem água é claro, mas mantemos a tradição, uma boa picanha, ou carne de bode, e vamos descansar que amanhã tem mais.

Segundo dia de aventuras, seguimos pra Serra Talhada, com sítios inóspitos, pegadas de onça de para todos os lados, fomos até a Caverna do Inferno, local onde dizem que uma voz se manifesta sempre as 12hs, não ficamos lá para saber, mas um micro clima de mata atlântica fez a coisa ficar mais amena. Passamos por muitos caldeirões onde as onças bebem água, sítios com pinturas rupestres feitas nos seixos cravados nas pedras, o que leva a crer que esse já foi um local de muita água, onde as serras foram ilhas. Aqui, os desenhos são diferentes da Serra branca, mas é possível identificar de todos os tipos, mostrando a migração do “Hommo-Sapiens”. Passamos por uma média de 20 sítios por dia, cada um com suas interpretações, que apesar de muito estudo, é sempre uma brincadeira para nós turistas, como as de ver desenho em nuvens. Ao fim do dia, fomos ao Mirante do Boqueirão da Pedra Furada, subimos o mais alto que pudemos, e o sol trazendo o dourado sobre os seixos fez desse, um pôr-de-sol especial.

por do sol mirante do BPF - arqueologia sensorial

 

O que chamam de Arqueologia Sensorial estava rolando ali, a sensação do vento, o calor do sol, o brilho das pedras, o barulho dos pássaros… Se mais nada acontecesse, esses dois dias teriam valido a pena.

Terceiro dia de parque, ainda na Serra Talhada por uma trilha mais longa, começando com a subida de 80m numa escada feita com vergalhões de ferro apoiados nas pedras. Pânico e terror?! Que nada! É só não olhar pra baixo e pegar um bom fôlego! Alguns sítios, muito vento, muitos cristais pelo chão, sol forte castigando o corpo, e as mais belas visões que se pode ter do alto.


escadaria 80m

Vamos ouvindo as histórias, descobrindo que há pouco tempo, a BR passava por dentro do parque, que a ação do “Hommo-Imbecilis” faz mais estrago que a passagem do tempo, os caçadores além de ir à caça de animais em extinção, também fazem as pinturas rupestres de alvo para treinar tiros, e que aqui no Piauí, Lampião não “se cria” e que “alma sebosa” tem que ir embora logo… hehehe

Dos mais de 1000 sítios registrados, se você conseguir passar por 50 e ver a riqueza dos detalhes, considere-se um cara de sorte, e se além disso, tiver amigos arqueólogos que te explicam esses detalhes, dê 3 piruetas no ar!

sitio paraguai
Sítio Paraguai – Serra Talhada

Em uma das saídas do Parque, você encontra a Fábrica de Cerâmica da Serra da Capivara, com peças vendidas por todo Brasil, com um preço camarada, e ainda pode solicitar a entrega na sua cidade. Impossível não voltar com pelo menos um caixa e 20 peças.

O Parque da Serra da Capivara, o maior Sítio Arqueológico das Américas, Patrimônio Mundial pela Unesco, é daqueles lugares que te surpreendem a cada instante. Quando você acha que já viu tudo, vem algo para te tirar do chão. Desde os mais belos mirantes, as histórias contadas nos sítios, o encontro com uma cobra coral (e você se lembra dos dizeres de Dra. Niède: em 30 anos ninguém nunca foi picado por cobra, se você for é burrice sua!), as pegadas da onça pintada, veados que passam na sua frente, macacos que levantam o peso do próprio corpo para quebrar os coquinhos… E lá se vai a diversidade da fauna e flora, fazem você viver a Serra, não apenas passar por ela. E se você tiver a oportunidade de seguir com os escavadores dos sítios vai ouvir: Doutora, aqui na escavação, você tem direito a 2L de água por dia! Te pergunto: Você bebe ou toma banho?!

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